É o que eu acho

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FRAUDES NO INSS

Aposentados explorados pelas fraudes e pela justiça

A justiça é como as serpentes: só morde os descalços (Eduardo Galeano)

Por Fernando Castilho

Quarta - 21/05/2025 às 08:33



Foto: Reprodução Edifício sede do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
Edifício sede do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

Recentemente, o escândalo das fraudes contra aposentados do INSS causou indignação nacional. A denúncia de descontos indevidos e cobranças abusivas contra quem mal sobrevive com um salário mínimo expôs a vulnerabilidade de milhões de brasileiros diante de um sistema que deveria protegê-los. Mas esse não é o único ataque aos direitos de quem passou a vida contribuindo com a Previdência. Há mais.

A exclusão dos valores de contribuição anteriores a 1994 no cálculo das aposentadorias tem provocado revolta entre os segurados. Embora parte da imprensa ainda trate os aposentados como meros “velhinhos”, o impacto dessa regra vai muito além do estereótipo: é uma questão de justiça social e de sobrevivência para quem já vive no limite.

A chamada Revisão da Vida Toda surgiu exatamente para corrigir essa distorção. O argumento é simples e razoável: se o trabalhador contribuiu ao longo de toda a vida, por que ignorar décadas inteiras de recolhimento apenas porque ocorreram antes de 1994? Para ilustrar a situação, imagine alguém que deposita mensalmente uma quantia em uma caderneta de poupança por 20 anos e, ao tentar sacar o valor, é informado de que só poderá retirar uma porcentagem do total. Isso não é confisco? Não é apropriação indébita? É dessa forma que milhares de beneficiários vêm sendo tratados pelo INSS.

Cerca de 100 mil aposentados recorreram ao Judiciário e venceram em duas instâncias: primeiro, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e depois no Supremo Tribunal Federal (STF), que, em dezembro de 2022, confirmou o direito à revisão por 6 votos a 5.

Contudo, a decisão foi posteriormente anulada. Amparado em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de 1999, o STF voltou atrás e derrubou o mérito da causa. O motivo alegado? O suposto impacto orçamentário: segundo projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, o pagamento da revisão custaria R$ 480 bilhões aos cofres públicos.

Embora o impacto financeiro não devesse ter o poder de subtrair direitos e manter injustiças, ainda assim, cabe uma reflexão. Essa estimativa não resiste a uma análise simples. Se dividirmos os R$ 480 bilhões entre os 100 mil aposentados que teriam direito à revisão, o valor individual chegaria a absurdos R$ 4,8 milhões por pessoa — algo evidentemente irreal.

Um documento oficial obtido junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que o custo real da medida seria de R$ 10 bilhões — valor expressivo, mas incomparavelmente inferior ao divulgado, e perfeitamente viável dentro do orçamento da Previdência Social.

Diante desses dados, o argumento do "rombo bilionário" se desmancha. O que resta é a evidência de uma decisão que sacrifica os direitos de quem mais precisa, sustentada por uma conta que simplesmente não fecha. E, mais uma vez, os aposentados — tratados sempre com descaso — pagam a conta de uma política pública que insiste em ignorar a dignidade de seus próprios beneficiários.

Fernando Castilho

Fernando Castilho

Arquiteto, Professor e Escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, A Sangria Estancada
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