
A ferida que não cicatriza encontra-se no coração de mãe que perde um filho abruptamente em tragédia. Não se pode exigir dela o conformismo de quem aceita passivamente as ações do destino. No coração de mãe, a dor da perda de um filho é imensurável. As lágrimas regam a sina do amor materno.
As Marias, pela natureza humana, podem dar luz a filhos. Mas não podem ressuscitá-los, porque a morte é irreversível. A inaceitabilidade desse fato expõe a impotência para moldar, com as próprias mãos, o futuro de suas crias.
A passagem do ventre para o mundo pelo corte do cordão umbilical é consumada em dor. A vida que respira por si ganha o livre arbítrio. A dor do parto é diferente da dor da morte. O amor da maternidade tem dimensões eternas.
Este texto carrega a dor de um luto que se manterá vigilante nas orações pela fé em Deus. Mas também permanecerá vigilante diante das ações da Justiça dos homens, pois não há como aceitar a impunidade de homicídios, de Feminicidio que destroem famílias pela perversidade do ódio.
Uma das funções da lei consiste em estabelecer limites para que seja possível a convivência social dentro de parâmetros que possam garantir a liberdade, a segurança e o bem-estar da coletividade. E, para que haja paz, é preciso que o Estado de Direito seja consolidado. As pessoas e as instituições não podem ser colocadas acima das leis que regem uma Nação. Ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos.
A República Federativa do Brasil, como todos sabem, é regida por três poderes, harmônicos e independentes entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário.
A nossa Carta Cidadã determina que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes”, por isso que os nossos apelos sempre são dirigidos às autoridades responsáveis pela instituição do Estado Democrático “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, conforme o estabelecido no preâmbulo da citada Carta Magna. Portanto, quando se fala em justiça, segurança, igualdade e liberdade, colocamo-nos diante dos poderes que regem a Nação.
Assim como recorremos a Deus, rogando pela Justiça Divina, também apelamos ao Poder Judiciário para que a lei seja cumprida para conter as injustiças.
Perdão não implica impunidade. Justiça não é vingança. A existência humana não pode ser banalizada. O amor não cega. Quem ama enxerga a vida como um bem precioso. Porém, o ódio desracionaliza, desumaniza, fere, nutre a criminalidade.
O desrespeito à vida também está nos números apresentados no Anuário de Segurança Pública de 2025, elaborado por pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP), que constatou, em 2024, um total de 1.492 mulheres assassinadas por sua condição de gênero. Segundo as pesquisas, 63,6% das vítimas eram negras; 70,5% tinham idade entre 18 e 44 anos; oito em cada dez foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. Em 18 estados do País, em que há registros dessas informações, cerca de 9% dos Feminicidio foram seguidos de suicídio do autor.
Esses dados alarmantes revelam a necessidade de acabar com a impunidade. O clamor é nacional para que haja mais segurança e mais esclarecimento da população no combate à violência contra as mulheres.
Reafirmo que este texto carrega o luto e uma dor profunda, porque também me sinto vítima de um crime bárbaro: um sobrinho e a namorada dele foram assassinados em uma rua de Teresina pelo ex-companheiro dela que não se conformou com o divórcio que, em março, foi lavrado. Um pai matou a mãe do filho dele, uma criança de cinco anos de idade...
Um advogado de 40 anos, em ascensão profissional no exercício da cidadania, com liderança popular, pelo trabalho social que o levou à Câmara de Vereadores de Parnaíba, Município em que nasceu, deve a vida ceifada estupidamente sem chance de defesa.
Não consigo apagar da minha mente as cenas gravadas por câmeras de segurança exibidas nos noticiários e os corpos ensanguentados, sem vida no chão. Entre os corações feridos, o que mais sangra é o da mãe.
O viver em sociedade requer também o controle e a responsabilidade sobre as nossas emoções. A passionalidade também tem limite. O calculado, o premeditado, o estudado não estão no calor da paixão. O passional restringe-se à impulsividade do momento, contudo, não justifica nenhum ato de violência. O ódio não pode suplantar o amor, pois a justiça, a paz, a liberdade precisam prevalecer na convivência humana.
O que vi e queria que fosse ficção abriu uma ferida que não sei se o tempo irá cicatrizar. Sei que a minha voz é curta, bem aquém da minha indignação, ínfima diante da dor que a minha família está sentindo. Mas deixo aqui o meu apelo, um grito no silêncio das palavras para que haja um fim no derramamento de sangue pela estupidez do ódio.
Agradecemos a solidariedade, as palavras de conforto de tantas pessoas indignadas com a violência. Precisamos unir forças contra a impunidade.
Pedimos a Deus o bálsamo da Misericórdia para suportar essa dor. E, reiteramos o nosso pedido às autoridades constitucionalmente instituídas mais empenho no combate à violência.
– E a cada dia cresce a minha indagação: – em que selva vivem os homens?
(*) Ataualpa A. P. Filho é piauiense, de Teresina, professor, escritor e presidente da Academia de Poesia de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
