Volto ao tema da força da ignorância no Brasil nos últimos anos para reafirmar que estudar é um ato revolucionário. Em um contexto onde a desinformação é industrializada e a ignorância é politicamente instrumentalizada, buscar conhecimento transcende o âmbito pessoal e torna-se uma resistência. A ignorância não é mais apenas uma lacuna individual; é um produto manufaturado, distribuído em larga escala por máquinas de propaganda que lucram com a confusão e o ódio. No Brasil, esse fenômeno encontrou um ecossistema fértil no bolsonarismo e em setores da extrema direita, que transformaram a rejeição à ciência e ao conhecimento em plataforma política.
A pessoa ignorante, nesse novo paradigma, é muitas vezes uma vítima de um sistema perverso. Ela é diariamente bombardeada por uma rede de fake news que a convence de que estudar é "coisa de esquerdista", que universidades são "fábricas de marxismo cultural" e que especialistas são parte de uma "elite globalista" conspiratória. Essa campanha não nega apenas fatos; nega a própria ideia de verdade objetiva. A régua do ignorante foi agora calibrada por algoritmos de redes sociais e grupos de WhatsApp, criando uma realidade paralela onde a credibilidade é medida pela lealdade ideológica e não pela veracidade dos fatos.
Os males dessa ignorância alimentada são profundamente destrutivos. Ela foi a força motriz por trás do negacionismo pandêmico que teve consequências catastróficas. A campanha contra as vacinas, liderada e estimulada por figuras-chave do governo Bolsonaro e seus apoiadores, promoveu tratamentos ineficazes, desacreditou máscaras e isolamento social, e semeou dúvidas sobre um instrumento de saúde pública salvador. O resultado foi um dos maiores erros sanitários de nossa história: centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, um legado trágico da política que elevou a ignorância à condição de diretriz de Estado.
Na esfera política, essa cegueira fabricada criou um eleitorado não apenas desinformado, mas ativamente hostil à informação. A escolha de "estúpidos para cargos de comando" deixou de ser um acidente para se tornar uma estratégia. Líderes incompetentes e agressivos são protegidos por um escudo de pós-verdade: qualquer fato que os desacredite é imediatamente enquadrado como "notícia falsa da grande mídia".
Ataques sistemáticos às instituições educacionais e de pesquisa, aos veículos de imprensa e aos dados oficiais, como os do IBGE e do INPE, buscavam demolir as fontes de conhecimento que poderiam contestar a narrativa oficial da ignorância. O objetivo era claro: enfraquecer os pilares da razão pública para que apenas uma voz, a do líder e de seus propagandistas, fosse considerada confiável.
Socialmente, essa dinâmica aprofundou fraturas e alimentou a violência. A negação do "lado sociológico, econômico e psicológico" das comunidades transformou-se em discurso de ódio estruturado. Minorias, movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais foram tratados não como partes legítimas da sociedade com demandas complexas, mas como "inimigos" a serem combatidos. A ignorância, aqui, vestiu a armadura do preconceito e pega em armas, literal e figurativamente.
Portanto, combater a ignorância no Brasil contemporâneo exige mais do que defender a educação de maneira abstrata. Exige desmontar uma máquina de produção de estupidez. É necessário expor as arquiteturas das fake news, responsabilizar os agentes que as financiam e disseminam, e promover uma educação midiática crítica que ensine as pessoas a identificar a manipulação. As plataformas de redes sociais, usadas como vetores principais dessa desinformação, devem ser reguladas e cobradas.
Tenhamos pena do ignorante manipulado, sim, pois ele é um instrumento e uma vítima. Mas nossa ação deve ser direcionada contra os arquitetos dessa cegueira em massa. O antídoto é duplo: conhecimento e vigilância democrática. É preciso estudar com mais afinco, apoiar a ciência brasileira, valorizar o jornalismo profissional e, sobretudo, nunca baixar a guarda contra aqueles que veem na ignorância do povo a base do seu poder. A luz do saber é a maior inimiga de quem prospera na escuridão. Defender essa luz não é apenas um ato intelectual; é um imperativo cívico para a reconstrução do país.