O ex-juiz e agora senador Sérgio Moro (União Brasil) e procuradores da República liderados por Deltan Dallagnol, que conduziram a operação Lava Jato numa espécie de conluio entre juiz e acusadores, ainda terão muito que se explicar à Justiça brasileira após o compartilhamento de documentos do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, com vários órgãos federais de fiscalização e controle, além da Câmara e Senado.
Os documentos, segundo informa ampla matéria publicada no site oficial do Supremo Tribunal Federal - STF, no início da noite de quinta-feira (12.12), apontam várias irregularidades com uso do dinheiro obtido com delações e acordos de leniência fechados no âmbito da Lava Jato.
Ainda nesta quinta-feira (12), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para órgãos federais e legislativos, apontando práticas controversas na condução da operação Lava Jato. As informações incluem suspeitas de irregularidades em acordos financeiros, envolvendo o Ministério Público Federal (MPF) e a ONG Transparência Internacional (TI).
Os documentos foram levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante correições na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR). Eles foram enviados pelo ministro Dias Toffoli a órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. As informações também foram encaminhadas às Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para análise.
O material evidencia alegações de falta de transparência e imparcialidade na gestão de recursos provenientes de acordos de leniência e colaboração premiada, além da suposta ausência de participação de instituições fundamentais, como o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).
Dinheiro direcionado
Entre as principais denúncias está a destinação de valores à Petrobras sem comprovação de melhorias em seus mecanismos de controle interno, e antes de qualquer condenação definitiva. Outro ponto polêmico foi o acordo de compromisso que direcionava valores obtidos nos Estados Unidos para a criação de uma fundação privada. A ONG Transparência Internacional teria participado das discussões e da assessoria para a constituição dessa fundação.
Denúncia partiu da J&F
A petição apresentada pela J&F Investimentos sugere uma possível “parceria escusa” entre o MPF e a Transparência Internacional, responsável por gerir R$ 2,3 bilhões de um acordo de leniência. Esses recursos, segundo a empresa, poderiam ser utilizados para favorecer uma plataforma eleitoral alinhada à Lava Jato. O caso levanta questionamentos sobre a organicidade e os objetivos políticos do consórcio.
Encaminhamento
As conclusões apresentadas pela Corregedoria Geral de Justiça não tiveram como foco inicial a apuração de crimes, mas apontam "ações e omissões" que fundamentam uma hipótese criminal. O ministro Dias Toffoli determinou que as informações sejam analisadas por diversas entidades federais, reforçando a necessidade de transparência na administração pública.
Relatório contundente
Em abril deste ano (2024), um relatório elaborado pela Corregedoria Nacional de Justiça já havia concluído que o senador Sergio Moro (União-PR), o ex-deputado Deltan Dallagnol e a juíza afastada Gabriela Hardt atuaram para desviar cerca de R$ 2,5 bilhões do estado brasileiro com o objetivo de criar “uma fundação voltada ao atendimento a interesses privados”.
O documento foi assinado pelo delegado da Polícia Federal Élzio Vicente da Silva que atua em apoio à Corregedoria Nacional. O relatório complementa a correição extraordinária na 13ª Vara Federal de Curitiba, que foi comandada por Moro.
A partir desta inspeção, o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional da Justiça afastou a juíza Gabriela Hardt, o juiz Danilo Pereira Júnior e os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Loraci Flores de Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A atuação em conjunto para tentar desviar recursos públicos teria acontecido, de acordo com o relatório produzido pelo delegado, entre 2016 e 2019, na cidade de Curitiba (PR). O grupo teria tentado desviar os recursos por meio de um conjunto de “atos comissivos e omissivos” e com auxílio de agentes públicos americanos, de dois gerentes da Petrobras e de outros representantes da estatal.
O delegado narra que o caso teve início a partir da instauração de um processo sigiloso por Sergio Moro em 2016. A abertura do processo restrito à 13ª Vara, à Petrobras e integrantes da força-tarefa da Lava Jato “foi feita especificamente para permitir o repasse não questionado de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência para a conta da Petrobras, alimentando a empresa com o dinheiro dos acordos”.
De acordo com o delegado, os objetivos da fundação que seria criada já indicavam que a constituição do ente privado e a gestão dos recursos seriam mais um expediente dentro de um conjunto de ações com foco no protagonismo pessoal.
“O que favorecia a projeção individual inclusive no campo político, em convergência com o fim primeiro da fundação que seria criada: a promoção da ‘formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas’. A pessoalidade de todo esse esforço foi posteriormente concretizada pela migração do então juiz Sergio Moro e do então procurador Deltan Dallagnol para a atividade político-partidária”, diz o relatório.
O relatório diz que o governo dos Estados Unidos obteve irregularmente provas contra a Petrobras sem que os procuradores da Lava Jato tentassem impedi-lo. O delegado narra que essas provas subsidiaram o governo americano na construção do caso criminal contra a Petrobras.
De acordo com o delegado, os argumentos lançados pelo Departamento de Justiça dos EUA “foram obtidos por meio de ações realizadas em território brasileiro que não seguiram o Código de Processo Penal pátrio, em razão de flexibilização no cumprimento do sistema normativo por integrantes da força-tarefa”.
O documento, ao citar ilegalidades do processo, menciona que exigências legais foram flexibilizadas para que as oitivas fossem conduzidas da maneira mais adequada aos interesses das autoridades americanas, apesar de formalmente presididas por procuradores brasileiros.
O delegado responsável por elaborar o relatório sustenta que o desvio do dinheiro só não se consumou em razão de uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental.
O ministro, de acordo com ele, suspendeu “todos os efeitos da decisão judicial proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, que homologou o Acordo de Assunção de Obrigações firmado entre a Petrobras e os Procuradores da República no Paraná (Força-Tarefa Lava-Jato), bem como a eficácia do próprio acordo”.
Na época, o senador Sérgio Moro afirmou, por meio de nota, que todos os valores foram devolvidos diretamente de contas judiciais da 13ª Vara de Curitiba para a Petrobras, “vítima inequívoca dos crimes apurados na Operação Lava Jato”, “sem que nenhum centavo tenha sido desviado”.
A nota diz que o mesmo procedimento foi adotado pelo STF na ocasião. O texto diz ainda que Moro deixou o tribunal em outubro de 2018, antes da constituição da fundação cogitada e que jamais participou da discussão ou consulta a respeito dela.
“A especulação de que estaria envolvido nessa questão, sem entrar no mérito, não tem qualquer amparo em fato ou prova, sendo mera ficção”, diz a nota do senador.
Fonte: STF/CNN e Agência Brasil