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Manfredi Cerqueira: 100 anos de um jurista essencial

Lembro, sobre isso, de um ditado africano a rezar que quando uma pessoa morre, queima-se uma biblioteca, o que é uma verdade

Alvaro o Mota

Sábado - 22/11/2025 às 00:14



Foto: Evento
Evento

Cinco anos atrás, quando o desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira faleceu, lembrei que sua partida poderia criar um vazio, como ocorre sempre que se vai uma pessoa, levando consigo sabedoria e lições, mas deixando para trás os saberes que espalhou pela vida.

Lembro, sobre isso, de um ditado africano a rezar que quando uma pessoa morre, queima-se uma biblioteca, o que é uma verdade se considerarmos que ao longo da vida essa mesma pessoa guardou apenas para si o conhecimento – ou que seus saberes não tenham sido apreendidos pelos conviventes dessa pessoa. Não é este o caso de Manfredi Mendes de Cerqueira, cuja vida deu-se em longas décadas de espalhamento de saber, conhecimento, sabedoria.

Neste sentido, pois, a grandeza da biblioteca que se queima pela morte de uma pessoa poderá ser melhor estabelecida pela disseminação do conhecimento nela produzido. E isso, acredito, foi feito por esse jurista nascido 100 anos atrás, em 25 de novembro de 1925 em Piracuruca, onde iniciou uma carreira escolar, acadêmica e profissional bem-sucedida.

Manfredi Mendes de Cerqueira teve uma formação sólida nas Faculdades de Direito do Ceará, onde iniciou sua graduação, e de Minas Gerais, onde a concluiu, em 1950. No meio disso, serviu no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, em Fortaleza, de 1946 a 1947, tornando-se Aspirante Oficial da Reserva.

Sempre muito reservado, o que não significava ser homem sisudo e sim com um humor refinado e discreto, típico de pessoas de inteligência aguçada, pode ser Manfredi Mendes de Cerqueira medido pelo conjunto de uma obra que deixou. Neste sentido, nos 100 anos de seu nascimento, pode-se dizer que foi um grande juiz, bom professor e jurista que experimentou o exercício do Direito enquanto promotor, magistrado e advogado.

Ouso dizer que somente caberia em espaço maior que o destinado a este texto a lista de ações, atribuições, livros e tudo o mais que se possa relacionar ao trabalho deste piauiense nascido em Piracuruca, mas com raízes em Pedro II, em uma família com outros tantos juristas, como os desembargadores Álvaro Brandão e Adolfo Uchoa e o ministro Aldir Passarinho.

O desembargador Manfredi, também escritor e professor, é de uma cepa de homens raros e que se detinha a realizar muito mais que uma atribuição somente. Isso certamente explica o fato de ele ter sido desde diretor do ginásio municipal em Piracuruca, no qual também lecionava, até secretário de Interior e Justiça, passando pela Promotoria de Justiça e o Tribunal de Contas, onde atuou como representante do Ministério Público.

Manfredi Mendes de Cerqueira, porém, parecia estar talhado para duas missões muito nobres e especiais, que lhe marcariam a vida: a de professor de Direito e de magistrado. Como professor, dirigiu a faculdade de Direito da Universidade Federal do Piauí e a Escola da Magistratura. Foi um líder respeitado e um realizador como presidente do Tribunal de Justiça do Piauí (1990-1991), onde chegou em 1978, pelo quinto constitucional do Ministério Público.  Também liderou com grande eficiência o Tribunal Regional Eleitoral, por dois biênios, entre 1980 e 1984.

Pode-se dizer, assim, que a experiência jurídica e da sala de aula lhe conferiram as ferramentas para uma profícua produção literária, fazendo emergir uma terceira grande ação de Manfredi, o mister de escritor, que ele exerceu com gosto, produzindo livros como “Teoria e prática falimentar”, “O direito como é”, “Justiça criminal” e “Matéria eleitoral”.

Os livros o levaram ao panteão dos imortais da Academia Piauiense de Letras, onde ocupava a cadeira 28 e foi pela APL que ele publicou outra obra, “Estudos de organização judiciária”, o que faz de Manfredi, para além de magistrado, um advogado sempre, formado em Direito pela Faculdade de Direito de Minas Gerais. Sendo um advogado em princípio, era também um integrante do Institutos dos Advogados Piauienses.

Faz parte de uma geração de advogados, promotores e magistrados que legaram ao Piauí uma organização judiciária fortalecida e que se moderniza ao receber novas levas de profissionais de outras gerações. Sobre isso, tomo por empréstimo as palavras do ministro Carlos Augusto Pires Brandão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao lamentar a perda do desembargador Manfredi: “Com Álvaro Brandão, Adolfo Uchoa, todos primos de Pedro II, Manfredi Cerqueira compõe a geração responsável por retomar a relevância do Judiciário no cenário das instituições, com as participações de Paulo Freitas e Raimundo Batista, ao tempo da redemocratização do Brasil”

Estou certo de que os que estão por vir poderão se valer desse legado, importante no passado, essencial no presente e no futuro.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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