Em “Faça-se a água: a solução de Israel para um mundo com sede de água”, o autor Seth M. Siegel cita uma frase dita pelo já falecido ex-premier e ex-presidente de Israel, Shimon Peres: “A maior contribuição dos judeus para o mundo é a insatisfação, que é ruim para a liderança política do país, mas muito boa para a ciência e o progresso”.
O livro trata de algo fundamental para a vida, que é a garantia de água para todas as pessoas do Planeta, mais de 8 bilhões pelas últimas contagens. A frase pinçada por sua capacidade de nos fazer pensar diz muito sobre como devemos estar pouco satisfeitos com os rumos que países e lideranças políticas dão para o gerenciamento dos recursos hídricos.
Israel, o país criado em 1947 para abrigar os judeus espalhados pela terceira e mais duradoura diáspora judaica, tem sido muito mais lembrado por sua posição belicista, muitas vezes justificada pela indisposição árabe-islâmica por sua existência. Porém, há que se lembrar de Israel como um país que, a partir de uma postura de estado, se prontificou a buscar soluções hídricas de longo prazo.
Israel, como de resto quase todo o Oriente Médio, tem amplas zonas áridas, o que leva os países inclusive à disputa por mananciais. As Colinas de Golan, em território sírio, ocupadas militarmente por Israel, têm nascentes que podem garantir o abastecimento e fortalecer um país que tenha sobre elas a soberania, o mesmo se podendo dizer sobre o Chat-al-arab, confluência dos rios Tigre e Eufrates, na fronteira Irã-Iraque, que travaram uma guerra pelo seu controle.
Note-se, então, que dispor de água é, em essência, ter condições de soberania para uma região ou ente político autônomo. Por isso, para além de soluções militares, os estados precisam lidar com questões de preservação, conservação e restauração do que chamamos de recursos hídricos. E mais uma vez, aqui se poderá citar o livro de Seth M. Siegel, que se guia pela prática de Israel ao colocar a água como um bem nacional, cuja regulação é técnica, não político-partidária.
O país foi além porque estimulou uma cultura de permanente valorização da água, que consiste em conscientização sobre custo de se ter a água, o que começa na educação infantil e se mantém em toda a sociedade – que sabe de seu papel na defesa desse bem comum a todos, sem criar obstáculos às decisões de estado, como, por exemplo, a que levou Israel a destruir infraestruturas antes existentes para recuperar um santuário de água e vida selvagem, os pântanos de Kebara, que antes eram áreas de cultivo e tanques de criação de peixes.
Decisões como essa fazem com que aquele país tenha atualmente 142 reservas naturais e 44 parques nacionais que somam 6 mil quilômetros quadrados – ou seja, o equivalente à metade do território do Líbano, país vizinho com 11 mil quilômetros quadrados.
Citam-se esses números, informações e iniciativas de Israel para lembrar que, a despeito das diferenças climáticas, o estado judeu guarda semelhanças com o Nordeste do Brasil na aridez, ou seja, as ideias para preservar, conservar e restaurar a natureza usadas lá podem ser adapdas para uso em nossa região, certamente com ganhos.
A ideia de restauração é certamente aquela que devemos ter mais interesse, porque na conservação e preservação certamente já temos uma atuação minimamente satisfatória. Porém, no que concerne a trazer de volta ativos naturais inertes, adoecidos ou mesmo desaparecidos, temos muito o que fazer. O exemplo de Israel com a restauração dos pântanos de Kebara deveria nos guiar para um esforço nacional de recuperação de nascentes – inclusive em áreas urbanas, preservando áreas nas cidades para reduzir a pressão das chuvas sobre os sistemas de drenagem.
A recuperação de áreas degradadas para que voltem a ter nascentes (ou manguezais, em áreas litorâneas), mais vida selvagem e reservas de água deve ser um projeto comum do Brasil, em todos os níveis de governo, para que a natureza restaurada amplie a oferta de água e dê ao país – bem assim às cidades e aos estados – autonomia hídrica, criando um colchão capaz de nos proteger a todos dos permanentes riscos de uma crise hídrica crônica.