A aprovação, pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de novembro, do Projeto de Lei 5582/2025 – conhecido como PL Antifacção – representa muito mais do que uma simples alteração legislativa. Sob o pretexto de endurecer penas, o texto aprovado, de relatoria do deputado bolsonarista Guilherme Derrite (PP-SP), configura um grave retrocesso que, na prática, desmonta instrumentos cruciais de investigação e protege os interesses do crime organizado que diz combater.
A proposta original, enviada pelo presidente Lula e construída ao longo de seis meses sob a coordenação do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, partia de um eixo estratégico inteligente: atacar o financiamento das organizações criminosas. Era um projeto estruturado para atingir o "andar de cima" do crime, onde se encontram os líderes e seus aliados de colarinho branco. O substitutivo aprovado, no entanto, vira essa lógica de cabeça para baixo.
Movido por um viés político-ideológico, o novo texto desfigura a proposta do Executivo e cria um monstrengo jurídico que beneficia criminosos, asfixia financeiramente as principais instituições de combate ao crime, como a Polícia Federal, e joga o sistema de segurança pública em um perigoso cenário de insegurança jurídica e fragmentação.
Um dos pontos mais críticos do projeto aprovado é o enfraquecimento deliberado da Polícia Federal e da Receita Federal. A retirada de recursos do Fundo Nacional de Aparelhamento da PF e de outros fundos que sustentam a política nacional de segurança, como o FNSP e o FUNPEN, é um ataque direto à capacidade operacional da principal instituição policial do país. Paralelamente, a proposta dificulta bloqueios de bens, enfraquecendo justamente o combate ao fluxo financeiro do crime, fulcro central da proposta original.
Além do desmonte orçamentário, o texto cria brechas legais que serão amplamente exploradas pela defesa dos criminosos. A substituição do tipo penal "Organização Criminosa Qualificada", bem delineado no projeto do governo, por um conceito vago e inédito de "domínio social estruturado", é uma porta aberta para a impunidade. Essa invenção do relator, não devidamente caracterizada, garantirá aos advogados dos chefes do crime organizado uma série de recursos para protelar processos e até mesmo inviabilizar condenações.
Enquanto o crime organizado atua em rede, com operações integradas em nível nacional e internacional, o PL aprovado na Câmara fortalece a estadualização das ações de segurança. Ao reduzir a capacidade de articulação do Ministério da Justiça, o projeto conduz ao isolamento e à fragmentação das operações em âmbito estadual. Essa desintegração é um presente para facções como o PCC e o Comando Vermelho, que operam justamente explorando as lacunas e a falta de coordenação entre as forças estaduais.
Diante de tantos retrocessos, uma pergunta inevitável se impõe: é mera coincidência que um projeto que amordaça a Polícia Federal seja aprovado justamente no momento em que as investigações da PF atingem o coração do sistema financeiro, como ficou evidente nas operações que investigaram fintechs ligadas ao PCC e, mais recentemente, o Banco Master.
Ficou claro que o projeto aprovado é parte de uma estratégia de setores que querem desestruturar o trabalho da PF e proteger grupos poderosos atingidos por investigações recentes, como as que envolveram o Banco Master.
A bancada do PT votou contra este substitutivo por entender claramente os riscos que ele representa para a segurança do país. A esperança agora reside no Senado Federal, que tem a responsabilidade e o dever de rejeitar esse retrocesso e restabelecer um marco legal que, de fato, fortaleça o Estado no combate à criminalidade. Operações como a Carbono Oculto, que investigou a máfia dos combustíveis, ou a que apura o caso Banco Master, são essenciais para a democracia. Elas devem continuar, queiram ou não alguns parlamentares. A sociedade brasileira não pode pagar o preço de uma lei aprovada de qualquer jeito.
(*) Merlong Solano é deputado federal (PT-PI) e vice-líder da Bancada do PT na Câmara
Redação
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