Os evangelhos não mencionam uma data para o nascimento de Cristo – razão máxima da celebração do Natal. Cada um à sua maneira narra a chegada do que a tradição cristã discorre como o Filho de Deus, chegado ao mundo como uma luz para salvar a Humanidade – se não do pecado, de seus próprios defeitos.
O Natal, assim, celebra muito mais que o nascimento de um ser salvador: é revelador que trate de uma iluminação ante nossas fraquezas, defeitos, incapacidades. E, bem mais que uma celebração religiosa à qual a maioria de nós se dobra, pode ser entendida como uma força que se fortalece no cristianismo, mas que existia antes de sua existência.
Historiadores das religiosidades – sobretudo ocidentais – já evidenciam que as celebrações de uma renovação da vida (uma das essências do Natal) são anteriores ao cristianismo – seja na Europa, seja em outros quadrantes daquela parte do planeta. As festividades estão ligadas à luz do Sol e sua relação com o renascer das plantas após o inverno.
Assim, o solstício de inverno no Hemisfério Norte, que nos dias finais de dezembro, era ocasião em que se faziam as festividades relacionadas à agricultura. A noite mais longa do ano dava início a um período em que haveria cada vez mais luz solar, daí a ideia de renascimento, o que propiciaria farta colheita, boa alimentação nos tempos por virem.
Esta ideia de luz como objeto de renascimento ou de retomada da vida, nas festas pagãs, estavam ligadas a deuses como Saturno (Roma) e Mitra (Pérsia), o primeiro cultuado como a divindade da agricultura (ligado à luz que a permite) e o segundo, uma divindade relacionada à sabedoria, representando a luz, o bem sobre o mal.
É claro que sob a leitura cristã, a luz que Cristo representa com seu nascimento não se relaciona ao mundo material, mas ao mundo espiritual. Ocorre, no entanto, que a celebração que envolve uma elevação do espírito se complementa com uma tradição muito mais antiga que o cristianismo, de celebrar com boa mesa e troca de presentes a esperança representada pela retomada da luz solar sobre os campos e as pessoas.
As lições que tiramos das relações entre as celebrações cristãs do Natal e festas anteriores à sua existência são as de que precisamos estar mais abertos à tolerância – e que ao fim e ao cabo é evidente que somos parte de uma única Humanidade, ainda que separada por suas próprias crenças – e a luz de Cristo simboliza bem essa ideia.
Por menos que queiramos admitir, a luz do Natal – que é a luz de Cristo – traz em si a ideia de prevalência do bem sobre o mal – não como simplismo ou uma dicotomia que torna tudo muito inflexível, mas dentro de uma perspectiva de que precisamos colocar à frente de nossas convicções o bom senso, o senso de justiça, a capacidade de perdoar, o desejo de fazer coisas boas para nós e a comunidade em que vivemos.
Se a ideia de luz como um elemento de renovação é anterior ao Natal, mas nesta data ganha força pela fé, devemos aproveitar para que essa seja uma ideia não circunscrita apenas e tão-somente à nossa fé em Cristo, mas como medida de nossa capacidade de avançar civilizacionalmente para a crença universal de que todos precisam ser amados e compreendidos.
Celebramos o Natal e é preciso que a gente mantenha acesa em nossos corações a luz de Cristo. Ela pode iluminar nossos caminhos com sabedoria no ano novo que começa daqui a seis dias.