É o que eu acho

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LIVRO

“A caneta de Dilma"

Getúlio Vargas usava uma Parker 51, uma gringa, um mito para mim.

Fernando Castilho

Sábado - 22/06/2024 às 22:47



Foto: Divulgação Livro
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Sou uma caneta. 

Mas não uma simples caneta, não senhor!
Sou uma caneta que pertenceu à presidente Dilma Rousseff, anota aí!
Getúlio Vargas usava uma Parker 51, uma gringa, um mito para mim. Mas eu sou somente uma esferográfica brasileira, pois minha dona é pessoa simples, vocês sabem.
Lembro-me de quando fui abraçada carinhosamente por seus dedos ansiosos em assinar a criação dos programas Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Prouni, Pronatec, Ciência sem Fronteiras...
Enquanto assinava, Dilma olhava para seus dedos e, por extensão, para mim, com toda a ternura de quem sabia que estava beneficiando milhões de pessoas Brasil afora.
Foram tantas assinaturas de coisas boas para os brasileiros, minha gente, que não sei como minha tinta não se esgotou.
Mas essa alegria viria a acabar durante as chamadas jornadas de junho de 2013 quando a enorme popularidade de minha dona despencou porque de repente, os brasileiros de classe média “descobriram” que ela fazia um mau governo. Minha amiga, a TV, me disse que foi a mídia...
Nunca me esqueço da conversa que tive com a agenda de Dilma, dentro de sua bolsa. Ela me contou que minha dona estava sendo xingada até por ser mulher. Imagine! Fiquei muito triste...
Mais tarde, a classe média do Brasil saiu às ruas para exigir o impeachment dela.
Dilma, então teve uma reunião com o ministro Cardozo em que ele lhe pediu que reagisse.
Nessa hora, em cima da mesa, troquei ideias com a caneta e a agenda do ministro. Revelaram-me que ele estava muito apreensivo com a situação e que se não houvesse reação da presidente, ela poderia ser retirada do poder, mesmo sem provas de crime de responsabilidade. Como pode?
Para meu espanto, minha dona afirmou que era republicana e que confiava na Justiça, pois era necessário que se provasse que ela tinha cometido irregularidades.
Fiquei apreensiva, mas não tinha como intervir, afinal, não escrevo sozinha.
Naquele domingo da votação do impeachment pelos deputados, estava dentro da bolsa de minha dona, junto com sua agenda, mas mesmo assim consegui ouvir pela TV os votos daqueles deputados horrorosos que falavam muito alto e quase a mesma coisa: por Deus, pela minha família etc.
Dias depois, viria o julgamento no Senado. Após uma defesa tão firme do Cardozo, que quase esmagou em suas mãos minha velha amiga, senti que havia alguma esperança.
Minha dona ainda confiava em sua inocência e no veredicto do ministro Lewandowski do STF, que presidia a sessão. Afinal, ele tinha por obrigação defender a aplicação da Constituição, não é?
A caneta na mão do ministro, uma tinteiro prateada, uma ilustre desconhecida para mim, me olhava com desdém, como se representasse ali uma justiça elitista, o que já prenunciava o veredicto.
À certa altura, minha dona levantou-se, dirigiu-se ao púlpito comigo em suas mãos e iniciou sua defesa. Aqueles dedos que antes me seguravam com carinho, agora estavam suando muito nervosos.
Depois veio a decisão dos senadores.
Dilma Rousseff não fora impedida por crime de responsabilidade, mas sim por um novo artifício a que eles deram o nome de “conjunto da obra”, algo como má administração, vejam só!
Embora minha dona confiasse ainda na Justiça, o ministro Lewandowski retirou-a da presidência, não sem antes manter seus direitos políticos, uma espécie de prêmio de consolação, o famoso jeitinho brasileiro a que se referiu Sérgio Buarque de Holanda quando usou uma antepassada minha para tomar notas e uma máquina para escrever Raízes do Brasil.
Em seguida, minha dona teve que assinar seu próprio impeachment.
Senti seus dedos tremendo e me segurando com tanta força que quase me quebrou e quase perfurou meu amigo, o papel.
Hoje, embora passe a maior parte de meus dias esquecida em sua bolsa, triste por ver em que situação o país que me fabricou se encontra, sinto orgulho imenso em pertencer a uma pessoa tão decente como Dilma Rousseff.
Tenho participado com ela de conferências e palestras pelo mundo afora, requisitadas por pessoas e entidades que acreditam em sua honestidade e que reconhecem seu valor.
Minha vida útil está no fim, mas antes que seja descartada, contarei essa história à minha sucessora.
E ela há de acompanhar fielmente minha dona até o fim de sua tinta.”


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Fernando Castilho

Fernando Castilho

Arquiteto, Professor e Escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, A Sangria Estancada
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