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ESPERANÇA VERDE

Jovens e ativistas do Piauí plantam esperança verde em meio à crise climática

Iniciativas como hortas, compostagem e educação ambiental mostram que a transformação começa pela raiz

Por Isaac Da Silva (*)

Quinta - 05/06/2025 às 12:34



Foto: Reprodução/Redes sociais/giovana_matos_benário No Piauí, jovens ativistas transformam resíduos em adubo, espaços cinzas em jardins e ideias em ação
No Piauí, jovens ativistas transformam resíduos em adubo, espaços cinzas em jardins e ideias em ação

O que antes era visto como um problema distante, hoje bate à porta em forma de calor extremo, chuvas caóticas e rios agonizando. No Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado nesta quinta-feira (5), o planeta dá sinais cada vez mais urgentes de alertas ambientais. Pela falta de políticas públicas nacionais voltadas ao Meio Ambiente, aqui no Piauí, iniciativas populares mostram que é possível arregaçar as mangas e transformar essa realidade de urgência.

O cenário nacional pode parecer desanimador, mas no coração do Piauí, a resistência floresce. De hortas comunitárias à compostagem de resíduos, jovens e ativistas enfrentam a negligência do poder público com ações concretas, apostando na educação ambiental como motor de mudança. 

E quem puxa essa corrente verde são pessoas como a ambientalista Lígia Rocha, fundadora da empresa Ninho Verde Compostagem. “Depois da pandemia, a gente viu que era a hora da gente realmente fazer alguma coisa. Já está muito tarde até para reagir com relação a isso”, conta.

Com quase 90 toneladas de resíduos transformados em adubo em apenas três anos, a iniciativa surgiu do instinto de Lígia de cuidar da terra ainda na infância. “Minha casa parece uma floresta. Eu já fazia compostagem muito antes de virar moda. Sempre acreditei que as folhas mereciam outro destino que não o lixo", afirma Lígia Rocha.

O sistema funciona de forma simples e eficiente: a coleta é feita em residências, creches, restaurantes e eventos na capital do Piauí, Teresina. Baldes são entregues aos parceiros, que recebem treinamento para separar corretamente o resíduo orgânico. O material segue para o pátio de compostagem na zona norte da cidade, onde se transforma em fertilizante natural, pelo uso das Leiras, que separam corretamente os resíduos e seus compostos.

Quando você composta e tem seu resíduo transformado em adubo, é um caminho sem volta.

Lígia ainda enfrenta, com persistência, o desafio de fazer com que eventos cumpram a lei que exige planos de gestão ambiental. “Todo mundo gosta de falar que é sustentável, mas na hora de pagar para ver, ninguém quer gastar. Querem o relatório, mas não querem pagar pela gestão", reclama.

Lígia Rocha é fundadora da Ninho Verde, iniciativa que realiza a gestão e compostagem de resíduos orgânicos - Reprodução/ Redes Sociais

A ausência de políticas públicas que deem suporte a projetos sustentáveis também é um problema. 

“A compostagem, para mim, é uma política pública de tratamento dos resíduos orgânicos. Deveria haver pátios de compostagem nas zonas de Teresina — norte, sul, sudeste — para que a gente não passasse esse sufoco. A gente gasta muito com o lixo, mandando para o aterro, achando que resolveu o problema, mas não resolveu: lá está soltando gases e chorume ruim. Quando a gente composta, o líquido vira biofertilizante, porque está controlado, limpo, separado. Isso acontece no mundo todo, não precisa inventar roda, só seguir exemplos que já existem. O que falta é vontade política. Eu não vejo ninguém na Câmara querendo encampar isso, levar para o município, para o Estado, para o país. A compostagem pode transformar lixo em adubo e esse adubo pode voltar para a população em forma de hortas comunitárias, canteiros e praças mais arborizadas. Precisamos ensinar as pessoas, porque elas aprendem. O problema é não ensinar", ressaltou.

Plantio Acadêmico

Enquanto isso, no berço acadêmico, na Universidade Federal do Piauí, um coletivo de estudantes batizado de “Eu Passarinho” também está semeando essas mudanças ambientais. Liderado por Giovana Sousa Soares, o grupo cultiva jardins comunitários com espécies da flora local. “Não adianta plantar qualquer árvore. Precisam ser nativas, senão a gente está atrapalhando ainda mais o ecossistema”, alerta.

Ela e os colegas já plantaram cerca de 30 mudas e conversam com novos estudantes universitários sobre a crise climática. “A gente está num estado de abolição global, segundo a ONU. Isso significa que o planeta vai ficar mais quente, mais rápido. As ilhas de calor em Teresina vão se tornar insuportáveis.” Giovana também critica a política ambiental do governo local". A estudante de jornalismo e ativista ambiental, Giovana Sousa, montou o coletivo para revitalizar espaços verdes da UFPI - Reprodução/Redes Sociais

A cada reforma de parque, eles tiram vegetação nativa para colocar cimento. E quando replantam, colocam plantas exóticas. Isso é um desserviço.

A visão crítica também é compartilhada por Lucas Brandão, engenheiro florestal. Para ele, Teresina perdeu o título de “cidade verde” e caminha perigosamente rumo ao colapso climático urbano. “A zona urbana está coberta de concreto. Veja bairros como o Centro, Bairro de Fátima, Mocambinho. Inúmeras ruas sem uma única árvore e totalmente impermeabilizadas”, afirma.

Ele explica que as árvores funcionam como umidificadores gigantes e são fundamentais para equilibrar o microclima urbano. “Ano passado, tivemos o BR-O-BRÓ mais quente da história. E não é só o calor: a falta de áreas verdes agrava enchentes, ventanias e quedas de energia. É um ciclo vicioso.” Lucas defende um plano de arborização sério e estruturado. 

Imagine plantar um pé de jaca num estacionamento. Arborização urbana tem que ser planejada por paisagistas, com espécies adequadas e foco em resultados. Medellín, na Colômbia, está vencendo o calor com corredores verdes. Por que não podemos fazer o mesmo aqui?

Brasil

Mesmo com as iniciativas no estado do Piauí, o Brasil, em vez de restaurar, flerta com a devastação. Em maio deste ano, o Senado aprovou, com 54 votos a favor e 13 contra, o Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, que fragiliza as regras do licenciamento ambiental e escancara os riscos de se trocar análises técnicas por autodeclarações de empresários. Agora, o projeto retorna à Câmara dos Deputados e, se aprovado, será encaminhado para sanção ou veto do presidente Lula (PT).

Relação dos votos por partidos à PL da Devastação - Reprodução/Repórter Brasil

Mesmo sendo o terceiro ano da Década da Restauração dos Ecossistemas, instituída pela ONU, o texto aprovado flexibiliza as regras de licenciamento ambiental no Brasil justamente quando se aproxima o principal fórum global sobre o clima: a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30). A realização do evento em Belém (PA), capital-sede do encontro, não foi acompanhada da preocupação necessária com os impactos que esse tipo de megaevento gera nas periferias da cidade. Além disso, o governo liberou a exploração de petróleo na foz do Amazonas, desconsiderando o alerta de 29 técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que apresentaram evidências claras sobre os riscos e os danos que poderão ser causados.

E é exatamente esse cenário, da falta de análises dos contextos ambientais, que acompanhamos de perto com a aprovação do PL da Devastação no Senado. O governo optou por isolar a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, junto a diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais que se posicionam contra o projeto. Em entrevista sobre o tema, a ministra chegou a definir o ocorrido como um “golpe de morte”.

Apesar do golpe e da frustração com o poder público, esses ativistas ambientais locais continuam a cultivar a esperança de um amanhecer verde, para esta geração e a próxima. E o fazem porque acreditam que educar é plantar raízes. Como lembra Lígia Rocha, "uma criança que aprende a compostar carrega isso para a vida toda". 

Trabalhar com bebês em creches me mostrou que eles entendem o que é natureza. Quando você planta essa semente desde cedo, ela floresce. É difícil mudar adultos, mas com as crianças, a gente pode transformar o futuro.

Mudar o mundo pode ser mais lento do que a pressa do colapso climático, mas no Piauí, tem gente disposta a começar pela raiz.

(*) Isaac da Silva é estagiário sob a supervisão do jornalista Luiz Brandão DRT/PI - 980.

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