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LEMBRANÇAS

Mãe não morre nunca

Por Wellington Soares

Terça - 22/07/2025 às 11:26



Foto: Arquivo pessoal Wellington Soares e Dona Raimunda
Wellington Soares e Dona Raimunda

Que a morte é inevitável, todos sabemos. Só não sabemos como vamos reagir, e ninguém nos ensinou, quando ela aparecer diante de nós. Pior ainda, é ter que olhar para sua cara horrível e de poucos amigos. Foi o que experimentei em 2020, juro por Deus, ao ver dona Raimunda, minha mãe, a pessoa que mais amei na vida, sendo levada daqui pela “indesejada das gentes”, como a ela se refere Manuel Bandeira.

Era a tarde de 30 de maio, lembro até hoje, quando fui tirado da leitura, na biblioteca, pelos gritos apavorantesda cuidadora, Maria Deusa. “Seu Wellington, venha aqui rápido, sua mãe está nas últimas”. Ao chegar lá, no corredor da casa, me deparei com uma cena tristíssima, difícil de esquecer: a palidez de mamãe, na cadeira de rodas, já sem respirar.

Naquele instante, caí num precipício e desandei a chorar compulsivamente. Chorava e caminhava, caminhava e chorava, o desespero se apropriando do meu corpo inteiro, levando-me a andar, em passos largos, ao redor da casa,sem a mínima noção do que fazer. 

A única pessoa para quem liguei, uma vez que Lucíola tratou de avisar meus irmãos e nossas filhas, foi o Salgado Maranhão, radicado no Rio de Janeiro. Mamãe teria gostado de saber disso. Por três e simples motivos: adorava o poeta de Canabrava das Moças, a mãe dele também se chamava Raimunda e, sobretudo, por que ela recebeu um texto de presente de escritor tão importante na literatura brasileira.

Aos prantos, ainda, lamentei não ter cumprido a promessa de levá-la para banhar no mar. De todas, essa era, disparada, uma de suas grandes alegrias. Bastava eu falar em Luís Correia, ou qualquer um dos filhos, para dona Raimunda abrir o maior sorriso do mundo. Do nosso litoral, sua praia preferida, era a linda Atalaia, onde curtia de tudo um pouco – o frio das águas, saltar as ondas, andar descalça pela praia, beber coco natural, saborear peixe frito e, dando graças à vida, tomar cerveja estupidamente gelada.

Na época da pandemia, o medo havia, infelizmente, nos mantidos presos dentro de casa. Por falta de vacina, mal colocávamos o pé fora do portão, de tão apavorados, imagine o risco para uma senhora de 95 anos.

Quase todo santo dia, relembro os versos antológicos de Carlos Drummond: “Por que Deus permite/ Que as mães vão-se embora?”. Como ele, fico também à procura de uma resposta, que não encontro em nenhum livro, tampouco nas explicações dadas pelos entendidos no assunto. A única coisa que sei realmente,de forma dolorosa, é que a partidade dona Raimunda evocou, dentro de mim,um imensurável sentimento de desamparo.

Daquele momento em diante, nunca mais fui nem serei o mesmo, tamanho o amor que ela plantou no meu ser. Caso fosse Rei do Mundo, segundo desejou o poeta itabirano, eu baixaria uma lei semelhante: “Mãe não morre nunca/ Mãe ficará sempre/ Junto de seu filho”, ordenando sua publicação e o cumprimento imediato dadas a urgência e a relevância da matéria em pauta.

Wellington Soares

Wellington Soares

Wellington Soares é professor, escritor e um dos editores da Revestrés. Tem uma longa atuação nas áreas da educação e da cultura no Piauí. Gosta de ouvir música, ver filmes, dormir em rede, ler livros e curtir os dois netos. Sem falar que é torcedor apaixonado do Flamengo.
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