O velho e ativíssimo Edgar Morin (fará 99 anos em julho) continua nos chamando a atenção para a complexidade dos fenômenos. E mais: dos fenômenos naturais e humanos, inclusive em sua interconexão, pois há um fundo físico-químico-biológico da vida pessoal e coletiva da humanidade. A complexidade nos permite compreender a interação-recomposição entre caos e cosmo, ordem e desordem; enfim, desorganização -reorganização. E Morin mostra como a telemática é a melhor expressão disso.
No campo da educação, há duas grandes abordagens do tema telemática: a humanista e a tecnicista. A humanista argumenta que a interação face a face é importante na socialização das novas gerações, para a formação da personalidade autônoma não egoística e o desenvolvimento da afetividade, da solidariedade, da eticidade e da criticidade. Os tecnicistas mostram o potencial do uso das tecnologias virtuais no acesso a um volume incomensurável de informações, que pode ser inclusive seletivo; da adequação do processo de aprendizagem ao ritmo e à agenda pessoal do estudante; enfim, do alcance da “mensagem” emitida por um docente em termos de distância e do número de “receptores”, inclusive com o uso de recursos didáticos multimidiáticos utilizando palavras-imagens-cores-som-movimento e com interação.
Como dizia a Donzela Teodora: “os dois têm razão, mas vão presos assim mesmo”, ou seja, seus argumentos são passíveis de crítica. Pois a educação tem que ser capaz de articular os aspectos destacados por um lado e outro.
Ademais, nos dois lados, interferem interesses corporativos e ideológicos. Os humanistas se preocupam com a empregabilidade dos docentes e profissionais da educação. Os tecnicistas pensam apenas em lucratividade econômica e “qualificação” para o mercado.
Para começar, temos que olhar a questão na escola e para além dela. No artigo da semana passada (edição de O DIA de 22.04.2020), tratei do impacto da telemática nas formas de sociabilidade. Agora destaco a dimensão da integração social.
A integração social nesse novo tipo de sociedade exige inclusão digital. E inclusão digital significa primariamente duas coisas: disponibilidade de rede para conexão e posse dos instrumentos de acesso.
Sabemos como no Brasil e no Piauí ainda é pequena a cobertura da internet com sinal permanente e de qualidade. O uso da fibra ótica precisa ser acelerado; na zona rural com população dispersa, esse é um desafio e tanto.
Por outro lado, a posse dos instrumentos de acesso. Cresce o número de pessoas com celular, mas ainda é grande o número de “celularistas” sem internet, por razões de poder aquisitivo ou de avalição de sua praticidade onde não há cobertura.
Aqui se colocam questões que vão repercutir na escola. O celular substitui cada vez mais o computador. Qual o lugar de tablets, notebooks e PC (computadores pessoais) na escola?
O fundamental na escola ainda é o “laboratório” de informática? Já vi em escolas particulares (de educação básica e de ensino superior) salas com PCs ou notebooks em todas as carteiras-mesas da sala. Há 12 anos atrás, a SEDUC e a Prefeitura fizemos uma experiência, apoiada pela empresa Positivo, do uso de minicomputadores individuais em duas escolas de José de Freitas, uma estadual e outra municipal. Os computares ficavam numa estante portátil que servia inclusive para a recarga de todo o lote e que circulava de sala em sala. Como anda a ideia de uso de minicomputadores individuais? Quando falo em tablets e celulares de propriedade da escola para uso dos alunos em aulas e em tarefas na escola ou em casa, o contra-argumento é sempre o mesmo: é quase impossível controlar a devolução... Como ficam então os alunos pobres que não têm computador em casa e muito menos seu celular pessoal com internet? Esse é o nó difícil de resolver nas propostas que estão sendo feitas para uso de educação à distância ou de “ensino remoto” como acanhadamente estão chamando, nesse tempo de pandemia. É preciso equacionar essa questão da infraestrutura informacional nas escolas, ou melhor, para os alunos da escola pública.
Outra exigência primária é a capacitação dos alunos para o uso da informática. Até o momento crianças e jovens aprendem “de qualquer jeito” – e aprendem bem – a usar computador e celular e navegam de braçada na internet. Para muitos pais – alguns até professores, como este que vos escreve – funcionam como orientadores no uso de certos recursos e aplicativos. O que a escola tem a e deve ensinar?
Gosto de dizer: computador não é máquina de datilografia e celular não é apenas telefone. Ser datilógrafo era uma profissão e datilografar era uma qualificação técnica que fazia diferença. Ora, o primeiro passo do ensino fundamental é o letramento, a alfabetização “e na idade certa”. Mas a alfabetização no mundo atual só se completa com a “alfinformatização” ou a “alfanetização”. Como garantir isso? Que programas são básicos, além do word? Vai até o Execel e o Powerpoint? Os outras ficam para formação complementar? E o acesso a sites e o uso de aplicativos que se multiplicam e se reformatam a cada momento, quais as habilidades básicas para acompanha-los? Fica a pergunta para os especialistas.
Além da estrutura de suporte e dos equipamentos e da adequação da proposta curricular, é necessário ter docentes e técnicos preparados nas escolas. E que farão cada vez mais falta como fazem hoje os técnicos dos laboratórios de ciências da natureza.
Professores e professoras do Piauí e do Brasil, preparai-vos! A telemática veio pra ficar. Sejamos senhores dela. Será que os professores do mundo estão mais preparados que nós?