
Um grupo criminoso, formado por 10 pessoas, entre lideranças indígenas, empresários, funcionários públicos, líderes sindicais e corretores de imóveis, é alvo de uma operação deflagrada pela Polícia Federal na manhã desta quarta-feira (19), para desarticular um esquema de grilagem de terras indígenas no centro-sul do Piauí. A Operação Aldeia Verde cumpre 2 mandados de prisão preventiva e 5 de busca e apreensão nas cidades piauienses de Teresina, Currais e Bom Jesus, e nas cidades paranaenses de Mamboré e Maringá.
Os alvos foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos crimes de invasão de terras públicas (art. 20, Lei nº 4.947/1966), posse e porte de arma de fogo (arts. 12 e 14 da Lei 10.826/2003), associação criminosa (art. 288), falsidade ideológica (art. 299), uso de documento falso (art. 304) e corrupção ativa (art. 333), ameaça (art. 147), dano (art. 163), incêndio (art. 250), corrupção passiva (art. 317) e advocacia administrativa (art. 321).
Segundo as investigações, entre meados de 2021 e meados de 2023, o grupo promoveu a invasão de aproximadamente 6.600 hectares de terras da comunidade indígena Akroá-Gamella, situadas na localidade Morro d´Água e Barra do Correntinho, nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí, Bom Jesus e Currais. Eles também usaram de violência e ameaças para expulsar antigos ocupantes.
Para regularizar a posse das terras invadidas e tirar proveito econômico da conduta criminosa, os denunciados praticaram atos de grilagem de terras, forjando processos de regularização fundiária junto ao Instituto de Terras do Piauí (Interpi), mediante a apresentação de declarações falsas e a corrupção dos agentes públicos. O grupo também forneceu armas de fogo e munições para invasores que atuavam sob sua direção, para proteger a ocupação das terras indígenas do interesse do esquema criminoso.
As investigações tiveram início em 2022, quando um dos investigados procurou o MPF em Floriano (PI), para denunciar a existência de conflitos e grilagem de terras na região das comunidades indígenas Jacu e Morro D’Água.
As investigações apontaram que esse denunciante, apesar de se apresentar como indígena, estava atuando, na verdade, como intermediário na venda de terras do povo Akroá-Gamella para empresários oriundos dos estados do Paraná e Mato Grosso, com o auxílio de uma outra pessoa que se apresentava como cacique daquela etnia.
Diante dessas constatações, o MPF então pediu à Justiça Federal os dados telemáticos armazenados na plataforma Google dos aparelhos celulares dos dois investigados.
Como funcionava o esquema
Os articuladores/intermediadores identificavam as áreas passíveis de apropriação, como terras devolutas tradicionalmente ocupadas pela etnia indígena. Em seguida, procuravam empresários ligados ao agronegócio, dispostos a adquirir as terras por valores muito abaixo dos praticados no mercado, principalmente considerando o seu caráter inalienável, com a promessa de que tais áreas seriam regularizadas junto ao Interpi, para posterior revenda ou arrendamento para o plantio de monoculturas.
Com os recursos obtidos com os empresários/corretores, os intermediadores cooptavam pequenos trabalhadores rurais da localidade, parentes ou pessoas próximas ao cacique da tribo indígena, mediante a entrega de dinheiro e o fornecimento de alimentos, materiais de construção e de armas, para que ocupassem as terras de interesse dos empresários e garantissem, assim, a manutenção da ocupação, expulsando antigos ocupantes da área.
Em contrapartida, os posseiros emitiam procurações para que o intermediário exercesse o direito de posse em nome dos "laranjas" perante os órgãos públicos (fundiários, ambientais, de segurança etc.) e realizasse negócios jurídicos com os empresários interessados em adquirir as terras.
Com essas procurações, ele apresentava requerimentos de regularização fundiária junto ao Instituto de Terras do Piauí (Interpi), visando a titulação das áreas para o seu grupo criminoso, utilizando-se dos benefícios concedidos pela Lei Estadual nº 7.294/2019. Para tanto, contava com o auxílio e a facilitação obtidos por meio de propina paga a empregado terceirizado do Interpi, técnico em georreferenciamento, que garantia o sucesso do empreendimento.
Para garantir a procedência dos requerimentos junto ao Interpi, por meio da apresentação de provas robustas da posse, o intermediário buscava o auxílio de dirigentes sindicais e funcionários de cartórios da região, que mediante pagamento de valores expressivos (entre 30 mil e 50 mil reais), expediam certidões fraudulentas que atestavam a posse ancestral da área.
Em síntese, os empresários investiam elevadas cifras, mas ainda assim bem abaixo dos valores praticados no mercado, para a aquisição de terras indígenas por meio da utilização de falsos posseiros, que atuavam como "laranjas" de intermediadores, em processos administrativos forjados no Instituto de Terras do Piauí, contando com a participação de agentes públicos com acesso ao órgão fundiário, além de dirigentes sindicais e funcionários de cartórios de registros públicos.
Fonte: Com informações da PF e do MPF