Mundo

ATIVISMO SOCIAL

Vozes convergentes: o que Greta Thunberg e Oruam têm em comum?

Jovens transformam dores em ação, visibilidade em denúncia, voz em mobilização; símbolos personificam tensões, desigualdades, urgências sociais

Da Redação

Sexta - 10/10/2025 às 12:10



Foto: Reprodução/Redes Sociais Oruam e Greta
Oruam e Greta

Greta é uma jovem sueca de 22 anos que, ainda criança, iniciou-se no ativismo ambiental, conquistando grande visibilidade ao redor do mundo. Filha de artistas (a mãe é uma renomada cantora de ópera, o pai é ator e diretor de cinema), a jovem vem de uma linhagem familiar intelectual e, precocemente, encontrou nas causas sociais inspiração para compor a brilhante trajetória que vem percorrendo. Com diagnósticos de Asperger, depressão e ansiedade, a menina fez dos movimentos coletivos caminhos para promover saúde na construção de um futuro mais sustentável.

Em 2018, lançou o movimento Fridays for Future, cuja proposta consiste em mobilizar pessoas (às sextas-feiras) para exigir de líderes políticos soluções efetivas acerca das mudanças climáticas. Os motes carregados nos cartazes, exibidos em frente ao parlamento da Suécia, levantavam a ideia de que “Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença”. Era uma garota dizendo “vocês estão cagando no meu futuro”, exigindo responsabilidade hoje para garantir amanhã. 

Com visibilidade alcançada, inclusive, pelos documentários produzidos pelo próprio pai, Greta assumiu um lugar de liderança mundial não só pela questão climática, mas pelo ativismo contracultural em consonância com as vozes de milhares de jovens ao redor do mundo. Recentemente, junto a centenas de ativistas, como os brasileiros Thiago Ávila e a deputada federal Luizianne Lins (PT), Greta compôs a Flotilha Global Sumud (2025) na tentativa de romper o cerco de Israel à Faixa de Gaza e levar ajuda humanitária com alimentos, água, medicamentos e outros suprimentos para a região. A situação vem se configurando, historicamente, como o maior genocídio ocorrido desde a Segunda Guerra Mundial.

Oruam é um cantor e compositor brasileiro de 25 anos, advindo de uma das zonas mais pobres do Rio de Janeiro. Filho de famosos no “mundo do crime” (o pai cursou o ensino médio na prisão, sobre a mãe, sequer foi possível encontrar informações educacionais), o jovem tem se tornado uma espécie de símbolo no imaginário contracultural brasileiro. Seguindo o estilo do gênero musical, as letras de suas canções falam sobre ostentação de luxo e riqueza. O rapper descreve, entre elas, sua trajetória de ascensão e superação, faz críticas à fragilidade do sistema judiciário brasileiro e também fala de amor ao cantar sobre realidades e desafios cotidianos.

É elitista falar que Oruam se comunica apenas com seu nicho, afinal, suas composições, além de uma expressão artística dessa época, são formas de protestar e canalizar o sentimento secular de exclusão vivenciado por juventudes, ao longo do tempo, neste país. O artista, entretanto, chegou ao debate público em meio à polêmica proposta de criação da Lei anti-Oruam, que visa proibir investimentos públicos a shows de artistas que fazem apologia ao crime e ao uso de drogas.

Oruam foi preso em julho deste ano, após se entregar à polícia, e ser procurado como um “criminoso de alta periculosidade”. Um mês antes, a revista britânica Dazed apresentava-o como uma “estrela em ascensão”. Semana passada, quando foi solto, teve uma verdadeira festa na favela para recebê-lo. Sua proximidade com as facções tornou-o assunto bastante complexo, mas enfatiza-se aqui o emblema em torno do jovem.

Quem seria ele se pudéssemos diferenciar o Mauro do Oruam (como provoca em uma de suas músicas)?

Em um país onde negam, cotidianamente, vida digna às infâncias e juventudes periféricas, muitos parecem não saber que um nome escrito de trás para frente se inscreveu assim no social. Mas é preciso olhar para o início dessa história, antes das marcas deixadas por uma inclusão social perversa. A trajetória do garoto denuncia processos de uma reparação histórica que nunca se deu efetivamente. Reduzir as letras de Oruam a “apologias ao crime e às drogas” é negar as diversas formas de sobrevivência que muitas pessoas encontraram para chegar até aqui. Mais do que narrativas que defendem ou elogiam determinados hábitos ou formas de viver, sua voz documenta situações passadas, no presente, para um futuro que precisa ser contextualizado.

Afinal, quando a polícia invade a casa de alguém à procura de um foragido, geralmente ela acha um amigo, uma filha, um cunhado, uma irmã; os jornais escondem que o que chamam de “cúmplices” são, na verdade, por vezes, laços afetivos, vínculos entre pessoas que se uniram por compartilhar sentimentos e vivências em comum. São vozes que precisam ser ouvidas para que os conflitos sociais sejam encarados com maturidade e interseccionalidade.

Greta e Oruam configuram-se como símbolos para as juventudes desse tempo, opondo-se a diferentes injustiças estruturais e desigualdades políticas. De origens socialmente opostas, cada qual, a seu modo, produz sinfonias de lutas, de sonhos, de vozes e de corporeidades que se encontram, não sem angústia, para tentar mudar a realidade desse presente, insustentável. Contemplá-los significa ter a certeza de que essa é uma melodia que não se faz sozinho, nem sem incômodos e críticas.

Esse é o motivo desta reflexão.

As diferenças entre os dois talvez revelem o quanto o acesso a recursos abre espaços — educação, contato com arte, apoio institucional, redes de solidariedade, visibilidade. Greta teve acesso a museus, literatura, debates, ciência; sua voz pôde se projetar globalmente com relativa rapidez. Oruam cresceu entre ambientes com menos infraestrutura e garantias, resistindo à discriminação e ao risco cotidianos. Sua voz é crescente, mas enfrenta obstáculos como estigmas, propostas de restrição à sua liberdade de expressão, invisibilidade ou distorção nas narrativas oficiais (causadas por interpretações meramente morais de suas letras).

Pensar um paralelo entre Greta e Oruam é reconhecer que críticas sociais atravessam fronteiras geográficas, culturais e econômicas. Que a injustiça se manifesta em questões climáticas, no cerco político e também na segregação urbana. Que vozes marginalizadas não são exceção, mas pontes para entender falhas sistêmicas. Greta opera num palco global com reconhecimento; Oruam opera num palco muitas vezes negado, igualmente potente. Ambos provam que origem não determina destino — embora influencie o percurso. Na maioria das vezes, são as diferenças de oportunidades — não de coragem ou legitimidade — que separam as trajetórias. Reconhecer esses diferentes modos de ativismo é entender que esse período pede, urgentemente, uma arte, uma militância, uma escuta que trate as periferias não como problemas a serem eliminados, mas como parte essencial de qualquer futuro justo e sustentável.

Siga nas redes sociais

Compartilhe essa notícia: