A pesquisadora Thelma Krug, coordenadora do conselho científico da COP30, afirmou que não é mais possível evitar que o planeta ultrapasse a meta de aquecimento de 1,5 °C. Em entrevista ao GLOBO, a ex-vice-presidente do painel de clima da ONU (IPCC) disse que a comunidade internacional já reconhece a necessidade de trazer os termômetros de volta a essa marca ainda neste século, mas a ciência ainda não sabe como isso será feito.
“A gente vai precisar de métodos para remoção do dióxido de carbono da atmosfera, e esses métodos não estão muito amadurecidos”, afirmou Krug. Ela explicou que o IPCC já previa a possibilidade de um “overshoot temporário”, que seria o mundo exceder o limite de temperatura para depois retornar a ele, mas a capacidade de reverter esse quadro ainda é incerta.
Sobre as formas de remover CO2 do ar, Krug comentou que plantar árvores é uma solução conhecida, mas insuficiente. “Quando a gente está falando de contribuir para remover o CO2 na quantidade necessária, está falando de reflorestamento e restauração florestal em escala gigantesca”, disse. Ela alertou que as mudanças climáticas, com secas e incêndios, já estão atrapalhando esses esforços, citando que em 2024 os incêndios na Amazônia foram cinco vezes piores. Sobre outras tecnologias, como a fertilização dos oceanos, a cientista demonstrou cautela: “A gente morre de medo desse tipo de coisa. Tecnologias como essa não foram bem testadas”.
Questionada sobre o pedido do presidente Lula para avançar na transição energética, Krug disse não ver “muita saída se a gente não tiver realmente uma declaração forte aqui”. Ela reconheceu a força do lobby do petróleo e gás e as dificuldades dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. “Somos um país em desenvolvimento, e existe a necessidade de enxergar que os países em desenvolvimento têm o seu tempo. O Brasil é um país limpo, mas eu sempre falo que a gente precisa olhar para o coletivo”, afirmou.
A cientista expressou esperança de que a COP30 possa produzir uma declaração mais forte ou, pelo menos, uma demonstração de uma grande maioria de países sobre a necessidade da transição. “Seria muito bom sair daqui com algo forte, o que não aconteceu na COP29, em Baku”, comparou. Ela cobrou um mapa para definir a velocidade da redução dos combustíveis fósseis, mas preferiu não gerar expectativas altas demais. “Se sair alguma coisa, já estaremos recuperando esse esforço”.
Krug também criticou a lentidão do IPCC em produzir seus relatórios. “O IPCC não entrega os seus relatórios na velocidade e no tempo que os tomadores de decisão precisam ter”, afirmou. Ela discordou publicamente do atual presidente do painel, Jim Skea, que defende a pontualidade do órgão. Apesar disso, Krug ressaltou que a ciência atual já é mais do que suficiente para ações profundas. “A gente já tem métodos, a gente já tem tecnologia. Isso permitiria derrubar pela metade as emissões entre 2019 e 2030, mas isso não está acontecendo”.
Para a cientista, a implementação de ações de mitigação esbarra em barreiras institucionais, financeiras, culturais e ambientais. “É uma pena. Isso reflete a nossa incapacidade de ter feito o suficiente para que a gente não estivesse recorrendo tanto hoje às palavras 'resiliência' e 'adaptação' no dicionário da COP”, concluiu.
Fonte: O Globo