Imagine uma balança. De um lado, temos uma rocha sólida, firme e inabalável. Do outro, uma pena leve e flexível. À primeira vista, parece impossível equilibrar esses dois elementos tão distintos. No entanto, é exatamente esse equilíbrio que Dom Hélder Câmara, um dos mais influentes líderes religiosos e ativistas sociais do Brasil, nos desafia a alcançar em nossas vidas.
Dom Hélder não era um homem de meias palavras. Nascido em Fortaleza, no início do século XX, ele viveu tempos turbulentos, incluindo os 21 anos da ditadura militar no Brasil. Foi nesse contexto, quando atuava profeticamente como arcebispo de Olinda e Recife, que ele escreveu o livro O Deserto é Fértil, em que temos várias reflexões sábias, como a que destacamos aqui:
"Que sejamos capazes do máximo de firmeza, sem cair no ódio, e do máximo de compreensão, sem cair na conivência com o mal."
Mas o que isso significa para nós, homens e mulheres, vivendo nossas vidas cotidianas no século XXI, cerca de 50 anos depois?
Pense em uma situação em que você testemunhou uma injustiça. Talvez tenha sido no trabalho, onde um colega foi injustamente acusado. Ou na rua, onde viu alguém sendo discriminado. A firmeza que Dom Hélder menciona é aquela voz dentro de você que diz: "Isso está errado, e eu preciso fazer algo a respeito."
É fácil, nesses momentos, sentir raiva. Sentir ódio por quem comete injustiças. Mas Dom Hélder nos alerta: a firmeza não deve se transformar em ódio. O ódio nos cega, nos torna iguais àqueles que cometem injustiças. A verdadeira firmeza é como uma rocha que permanece inabalável diante da tempestade, sem se tornar a própria tempestade.
Agora, imagine-se conversando com alguém que tem opiniões completamente opostas às suas. Talvez sobre política, religião ou qualquer outro tema polêmico. A compreensão que Dom Hélder prega não significa concordar com tudo o que o outro diz. Longe disso! É mais como uma pena que flutua no ar, capaz de ver as coisas de diferentes ângulos.
Compreender é tentar enxergar o mundo pelos olhos do outro. É perguntar-se:
"Por que essa pessoa pensa assim? Que experiências ela teve que a levaram a essa conclusão?”
Isso não significa aceitar ideias prejudiciais ou ser conivente com o mal. É simplesmente reconhecer a humanidade no outro, mesmo quando discordamos profundamente.
Equilibrar firmeza e compreensão é como andar na corda bamba. É desafiador, requer prática e, às vezes, podemos cair. Mas cada vez que nos levantamos e tentamos novamente, ficamos um pouco melhores nisso.
Pense em Nelson Mandela, que passou 27 anos na prisão, mas saiu pregando reconciliação, não vingança. Ou em Malala Yousafzai, que mesmo após ser baleada por defender a educação das meninas, continua seu trabalho sem ódio no coração. Esses são exemplos vivos do equilíbrio que Dom Hélder nos ensina.
Como podemos aplicar esse ensinamento em nossas vidas? Comece com pequenos passos:
- Na próxima discussão acalorada, antes de responder, respire fundo e pergunte-se: "Estou sendo firme em minhas convicções sem cair no ódio?"
- Quando ouvir uma opinião que te irrita, tente entender o contexto da pessoa. Não para concordar, mas para compreender.
- Ao testemunhar uma injustiça, aja com firmeza, mas mantenha a calma. Lembre-se: você pode ser firme sem ser agressivo.
- Ensine às crianças a importância de defender o que é certo, mas também de ouvir e tentar entender os outros.
A lição de Dom Hélder Câmara é mais relevante hoje do que nunca. Em um país polarizado, onde muitas vezes parece mais fácil odiar do que compreender, suas palavras são um holofote de esperança e sabedoria.
Assim, da próxima vez que você se sentir balançando no caminho do meio entre a firmeza e a compreensão, lembre-se: você está no caminho certo. Continue praticando esse equilíbrio dinâmico. Pois é nessa delicada faixa de equilíbrio que encontramos nossa humanidade compartilhada e a possibilidade de um mundo melhor, mais justo e fraternal!