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Golpismo militar

Na crise de legitimidade inaugurada com o golpe que depôs a legítima presidenta Dilma Rousseff, numa trama de canalhas, a partidarização militar

Fonseca Neto

Sexta - 20/01/2023 às 09:37



Foto: Reprodução Forças armadas
Forças armadas

Muito já se ressaltou e relembrou o papel de militares no processo político brasileiro. E num balanço crítico sobre o exercício desse papel, de longe se evidencia que o ativismo deles nesse campo nunca passou de algo próximo de um partidarismo a serviço da defesa de interesses subalternos das facções do chamado poder civil em luta.

Não se generalize essas observações para a conjuntura das décadas de 1920-30. 

Esgotada a monarquia como forma de governo nestes trópicos, insustentável com seu parlamentarismo sem convicção humanitária e deficitário de lastro e inclinação democrática, o partido militar dá um golpe, assalta o Estado e arrebata para si o exercício do Poder Moderador, mecanismo constitucional que garantiu o referido parlamentarismo circunstancial.

Trata-se do golpe militar de 1889, que pariu um monstrengo de República, porque um decálogo da lei básica estadunidense, a aplicar-se num contexto de formação histórica bastante diversa. Crasso equívoco de rumos, querer-se praticar em realidade distinta, uma arquitetura erguida na história de um outro povo, com outra história.

Fato é que esse arremedo de República foi imposto por uma coalização circunstancial e dura pelo tempo afora. Além do texto constitucional de 1891, seis outros seguiram-lhe, atendendo reclamos de conjunturas distintas, no entanto, perpassando todas, um fator desestabilizador e limitante de alcançar-se a realização republicana: a imposição tutelar e antidemocrática dos militares, suposta sua força na reivindicação do aludido “poder moderador”.

Na crise de legitimidade inaugurada  com o golpe que depôs a legítima presidenta Dilma Rousseff, numa trama de canalhas, a partidarização militar se acentuou e atingiu o máximo significado, com o total engajamento das forças armadas, incluídas polícias militarizadas, formando um só corpo com indisfarçáveis manifestações político partidárias e tendentes a sobrepor as instituições de Poder inscritas no próprio texto constitucional.

Militares reivindicam o papel de intérpretes da Constituição: acreditam na falsa convicção de que um general é juridicamente mais sábio para proferir decisões e sentenciar que os membros da Corte maior de Justiça. Esse o cerne da vontade partidária militar: uma vinculação subalterna automática e até a-histórica com o imperialismo estadunidense, como fundamento do “ocidente cristão”. 

O governo que acaba de se instalar, a partir de uma tomada de decisão da maioria do povo pelo avanço da democracia, acaba se ser atacado por um bando de extrema-direita, de radicais da ditadura, e ditadura de molde militar – agora com o tempero do fascismo explícito. Esse bando que atacou os poderes, baseou concretamente o exercício de seu golpismo a partir da agitação no terreiro de quarteis de forças militares. Tentaram derrubar o governo eleito maior, movendo uma violência sem par. Vários agentes desse golpismo inveterado se inspiram na ideologia militar em voga, pedindo ditadura, nos moldes de 64.

É uma novidade, que aponta mais claramente para o exercício democrático, a decisão do novo governo da República de rechaçar a tentativa de golpe de 8 de janeiro passado, com a intervenção civil no sistema de segurança da capital federal. Militares queriam para si o exercício dessa função – como “poder moderador” que entendem ser – mas o novo presidente assinalou uma decisão firme, historicamente determinante dos rumos do próprio governo que ora se instala. Teve a coragem cívica de afirmar a sua autoridade legítima e proclamar que militares “não são poder moderador”, que entendem ser, repita-se.

Atolado numa violência social que parece impossível enfrentar, na fome vergonhosa de milhões de filhos do Brasil, os bilhões gastos pela sociedade para sustentar a pesada/burocrática/ociosa máquina militar é um acinte.

Nada ou pouco mudará se não emergir a mobilização popular para nutrir as instituições em sua legitimidade. 

Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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