
A política brasileira, em seus momentos mais críticos, parece operar em um universo paralelo onde as regras da decência comum não se aplicam. Erros são raramente admitidos, más condutas são justificadas pela "complexidade do jogo" e a lealdade cega frequentemente supera o compromisso com a verdade. Foi contra esse pano de fundo de baixas expectativas que a atitude do deputado federal Merlong Solano (PT-PI) se destacou como um farol de integridade.
Nesta sexta-feira (19/09), Merlong Solano não apenas emitiu uma nota pública de retratação por seu voto a favor da PEC da Blindagem, mas o fez com uma clareza e uma honestidade que são atitudes raras em Brasília. Seu pedido de desculpas ao povo piauiense e ao Partido dos Trabalhadores não foi um gesto vago ou uma justificativa disfarçada. Foi um mea culpa genuíno, detalhado e corajoso.
Pelo menos dois aspectos tornam o gesto de Merlong notável. Em primeiro lugar, a transparência. O parlamentar não se escondeu atrás de jargões políticos. Ele explicou, de forma crível, sua motivação tática: a tentativa de preservar o diálogo com a Presidência da Câmara para travar a anistia e viabilizar pautas populares, como a isenção de IR e a taxação de super-ricos. Ele admitiu que a estratégia falhou e, crucualmente, que o processo foi maculado por "sérias irregularidades", como o retorno do voto secreto.
Em segundo lugar, e mais importante, veio a ação concreta. A retratação não foi apenas palavras. Solano agiu. Na quarta-feira anterior, ele já havia assinado um Mandado de Segurança no STF para anular a votação da qual ele mesmo participou. Este é o ponto que eleva sua atitude de mero discurso para uma postura ética efetiva: ele usou as ferramentas da instituição para tentar corrigir o erro da própria instituição. Ele não apenas disse "errei"; ele disse "vamos consertar isso".
A reação sábia dos companheiros
A defesa feita por petistas históricos como o deputado estadual e vice-presidente da Assembleia Legislativa do Piauí, Francisco Limma, da ex-governadora Regina Sousa e do professor Antônio José Medeiros (uma espécie de guru do PT no Piauí), não foi uma defesa cega do erro, mas sim um exercício de sabedoria política e humana. Eles entenderam a diferença crucial entre o inimigo e o aliado que cometeu um deslize.
A fala de Limma foi precisa: "Não vamos transformar uma luta contra um Congresso Inimigo do Povo em luta contra petistas que erraram. Temos 250 inimigos e centramos no combate a 12 companheiros." É um alerta contra a autofagia que tanto enfraquece a esquerda
Regina Sousa, por sua vez, trouxe o pragmatismo necessário: "Os companheiros precisam admitir que erraram, mas não precisam ser jogados aos leões e aos oportunistas". Antônio José encontrou o equilíbrio, condenando o voto sem executar o votante, e vislumbrando na autocrítica pública o caminho para a redenção.
Um exemplo a ser seguido
A postura de Merlong Solano deveria ser um modelo, não a exceção. Imagine um Congresso onde os parlamentares se sentissem moralmente compelidos a esse nível de prestação de contas? Onde um voto equivocado, fruto de uma barganha ou cálculo falho, fosse seguido não por justificativas espinhosas, mas por um pedido de desculpas honesto e uma ação legal para remediá-lo?
A honestidade de Solano não o enfraquece; pelo contrário, fortalece sua credibilidade e nos faz confiar mais em sua palavra da próxima vez. Ele entendeu que a verdadeira força não está na infalibilidade, mas na capacidade de reconhecer a falha e se empenhar para corrigi-la.
Parabéns, deputado Merlong Solano. Em um mar de conveniências, sua atitude foi um exemplo raro e refrescante de coragem e integridade. Que sua retratação ecoe pelos corredores do poder e inspire outros a entender que a ética, longe de ser um sinal de fraqueza, é a mais sólida fundação para uma carreira pública verdadeiramente respeitada.
Regina Sousa e o deputado Limma saíram em defesa de Merlong Solano

Luiz Brandão
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